quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Regido pela Torre

Apressou o passo. Os sapatos teimavam em escorregar do pés, e o suor o incomodava vagamente. Era outra noite daquelas, onde a lua o observava, cômica, de trás de nuvens de chuva, enquanto as pessoas de reais sentimentos dormiam e sonhavam com seus dias e desejos reprimidos.
Mas não havia tempo para reflexões. Se não arrumasse um lugar seguro, zástrás, e estaria em apuros. Quase podia sentir sua mente derretendo e escorrendo por entre os paralelepípedos da rua lamacenta. Agora estava a ponto de correr, mesmo sem destino certo.
O dia não começara bem. Isso foi suficiente para que uma desconfiança crescesse e seu cérebro esquentasse. Perdeu a hora de suas importâncias diárias, quebrou pratarias (!) que guardava com tanto esmero. Um dia ruim, mas o que diferia este dia de todos os outros, numerados no calendário em sua cozinha, era que nesta exata manhã sua vida iria mudar. Sim, pois seus esforços haviam funcionado, e boa parte dos seus problemas estariam amenizados. Tudo novo, quase um "reveillon".
Mas acontece que não era um cara de sorte.
A manhã continou desandando, até que por acidente, esbarrou em alguem, depois do almoço. Até ali, já estava irritado com os infortúnios do seu amanhecer. Já tivera dias de má sorte antes, e não podia lutar contra eles (ou não conseguia?) E depois do almoço, enquanto esperava poder atravessa o furor da rua movimentada por veículos governados por animais, sem querer, acotovelou alguém. Ninguém. E esse ninguém, talvez outro infortunado no dia, simplesmente perdeu o equilíbrio para ter toda sorte de pensamento espalhado pela pista, saídos de sua cabeça explodida por uma roda suficientemente pesada e rápida. Espere, foi a cabeça mesmo? O que importa.

Mas daí notou que era um DAQUELES dias. Um dia de Torre.
E viu os seus tijolos caírem por terra com aquele corpo deconhecido, e agora, sem rosto para sempre.
Depois daí foi um dia de fuga. Apavorou-se. Passou o resto de seu dia fugindo de sombras imaginárias. Tanto que de noite ainda estava por aí, em alguma rua desconhecida e suburbana, em que jamais pensara em tocar qualquer condução para chegar, pois não saberia qual.
A lua estava enorme quando encontrou aquele beco. O dia de Torre estava no fim. Mas haveriam outros, outros.
Onde estava o raio afinal?
Veio com um estrondo, que veio pelo seu pescoço e saiu pela sua boca. Como pode? Um raio! Finalmente a torre cairia de vez?
Acordou no hospital. Estava numa cadeira de rodas para sempre. E pelo o que podia ouvir, com ouvidos semi-mortos, a sua torre já começara a ser reconstruída.
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